
Para compreender o presente é fundamental compreender a história.
Por milênios, o papel da mulher era restrito ao ato de gerar filhos ou de ser instrumento de prazer dos homens. Consideradas desprovidas de alma, em diversas sociedades uma das únicas formas de sobrevivência da mulher era por meio do casamento, e eram valorizadas se tivessem filhos homens.
Proibidas de estudar, trabalhar ou ter direito à propriedade, era praticamente impossível às mulheres desenvolverem a própria autonomia e identidade.
Na fala de pensadores que guiaram a civilização ocidental, evidencia-se a moral social baseada na inferioridade do papel da mulher: “A mulher é um homem mutilado, que não é pura. Lhe falta o princípio da alma. Incapaz de coragem, temperança, justiça, prudência. Todos os seres femininos são imperfeitos e o homem é chamado a conduzir um ser inferior” – Aristóteles.
Para Cícero, jurista romano do séc I a.C. “Por causa de sua fraqueza intelectual, todas as mulheres devem estar sob o poder de um homem.”
Na idade Média, filósofos como Tomás de Aquino reforçavam este paradigma: “Existe uma vontade divina na natureza, e na natureza nada é feito em vão. Mudar a inferioridade da mulher é ir contra a natureza. Esta é a vontade de Deus”.
Sem compreender esse passivo histórico, não é possível compreender o peso que, ainda hoje, reside no inconsciente coletivo social, transmitido de geração a geração. Atualmente, em muitas nações as mulheres ainda não têm direito de estudo, de escolha. Meninas são destinadas a casar com homens mais velhos, rompendo seus sonhos para seguir a imposição de uma tradição inadequada e desumana.
Para uma mulher ser livre é importante compreender as duas dimensões da liberdade: a externa e a interna.
A dimensão externa da liberdadeda mulher diz respeito 1) ao aparato legalemergente nas últimas décadas, que garante o direito de ir e vir, de escolha, de estudo, de herança, de propriedade, 2) à moral social vigente, que permite, valoriza e apoia a mulher em suas escolhas de vida, 3) a autonomia financeiraque auxilia fazer escolhas, ter o próprio sustento e a decidir por si. Esta dimensão externa começa a se fazer realidade em alguns países do mundo e é uma dádiva poder nascer mulher neste contexto. Precisamos reconhecer este fato e agradecer nossas ancestrais que nos conduziram até aqui.
A dimensão interna da liberdadeda mulher está relacionada 1) a reconhecer o próprio valor, 2) a coragem de escolher o caminho existencial que lhe fizer mais sentido, e, sobretudo, 3) desvencilhar-se do papel que a sociedade impôsàs mulheres por milênios cujo valor do “ser” estava no ato de “ter” filhos (diferente de ser mãe) e “ter” um corpo que gerasse prazer aos homens. Este no meu ver, como pesquisadora social e educadora, é a dimensão mais difícil de transformar.
Restringir a existência da mulher ao corpo e ao ato de parir é reduzir uma força e uma inteligência da vida. O fato de muitas mulheres não gostarem de seus corpos, reforçado pelas mídias de massa e pelas redes sociais, e a eterna culpa feminina, que surge em especial na maternidade, são duas manifestações do modelo antigo do ser mulher que insiste em perpetuar. Precisamos romper com este modelo restritivo feminino. E a primeira mudança é interna. A identidade, a força e a inteligência feminina estão muito além desses papéis. E o cuidado consigo e o desejo da maternidade devem ser escolhas da mulher, e não impostos como um padrão pela sociedade.
A sociedade humana foi conduzida nos últimos milênios pela racionalidade masculina, um dos fatores que faz com que a humanidade esteja, ainda hoje, em desequilíbrio. Para uma nova condição social, política, econômica e ambiental, é fundamental que uma nova racionalidade conduza as decisões e o futuro do humano. E, para tanto, é fundamental o equilíbrio nas decisões de poder.
Para o prêmio Nobel da Economia Amartya Sen, um dos fundadores do IDH “As mulheres são agentes ativos de mudança enquanto promotoras de transformação social. O empoderamento das mulheres é crucial para o desenvolvimento”.
Satish Kumar, fundador de uma das mais renomadas escolas de sustentabilidade do mundo, a Schumacher College na Inglaterra, afirma que “o futuro é feminino. Os princípios femininos são muito importantes para a liderança: nutrir, cuidar, a escuta, o mundo interior, a empatia”.
Chegou o momento da liderança feminina, que vai além dos lares, capaz de escolher pelo seu caminho de realização existencial, exercendo outros papeis e construindo o legado espiritual da humanidade.
E vale ainda a reflexão levantada pelo autor do Capitalismo Consciente Raj Sisodia de que “os líderes precisam ser mais femininos”.
Portanto, não é uma questão de defender um gênero, mas despertar, respeitar, acolher e dar espaço ao feminino dentro de cada ser humano. O futuro da humanidade neste planeta requer a inteligência feminina.
E para você, qual a contribuição que o despertar do feminino pode trazer à sociedade contemporânea?